O dia 17 de maio, Dia Internacional contra a Homofobia, é representativo na luta por direitos de pessoas LGBTQIA+. Foi nessa data que a OMS (Organização Mundial de Saúde) retirou a homossexualidade do CID (Código Internacional de Doenças), em 1990.
Nas últimas três décadas, as políticas públicas de Mato Grosso do Sul têm avançado em relação ao direito e cidadania de pessoas LGBTQIA+, tanto no combate à LGBTfobia quanto na prestação de serviços públicos que são essenciais para a garantia da cidadania.
Entre decretos e legislações, são as próprias histórias que melhor ilustram como as leis funcionam na prática.
Na vanguarda, a primeira legislação sobre a temática criada em Mato Grosso do Sul é do ano de 1995, que estabelecia a obrigatoriedade de incluir a matéria “Orientação Sexual” nos currículos das Escolas Estaduais.
Dez anos depois, foi a vez do Estado sancionar a Lei nº 3.157, em 2005, que determinava as medidas de combate à discriminação devida a orientação sexual no âmbito de Mato Grosso do Sul e complementá-la logo depois com a obrigatoriedade da disciplina de relações de gênero nos cursos de formação de policiais civis, militar e bombeiros, para combater à homofobia.
É nesta lei que o major do Corpo de Bombeiros Bruno Vilela tanto se orgulha em contribuir como instrutor da disciplina de combate ao racismo e LGBTfobia na corporação.
“A temática da matéria é passar conceitos iniciais de identidade de gênero, orientação sexual, sexo biológico, o que é cisgênero, transgênero, crossdresser, drag queen, travesti, transexual, bissexual, heterossexual, intersexo. Além de passar as definições, também levantamos reflexões, porque nós enquanto atores do sistema de segurança pública precisamos socorrer e acolher. Mato Grosso do Sul é um Estado que está na vanguarda das políticas públicas há muito tempo”, enfatiza Vilela.
Em 2006, Mato Grosso do Sul cria em conjunto com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, o então Centhro (Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia) para o desenvolvimento das políticas de defesa de direitos e da cidadania do público LGBT+, incluindo atendimento psicossocial e jurídico.
Comemorando 10 anos de casadas, foi em 2013 que Silvana e Veronice disseram sim uma a outra no altar. A cerimônia aconteceu logo após a regulamentação da união homoafetiva ser publicada e a uniformização dos procedimentos do casamento civil homoafetivo, Provimento nº 80, e Decreto nº 13.684, respectivamente, ambas legislações que saíram do Estado.
Para elas, oficializar a união foi uma mudança considerável porque a partir dela as noivas passaram a ter o direito de obter uma certidão de casamento, depender uma da outra e ter a garantia de direitos como: plano de saúde, aquisição de bens.
“O sentimento foi de coragem, determinação, vitória e amor. Não foi, não é e não será fácil, porém, nos sentimos lisonjeadas por ter aberto esse caminho para outros casais que também sonhavam em desfrutar desse direito”, compartilham a sargento da Polícia Militar, Silvana Gomes de Rezende Lacerda e a correspondente bancária Veronice Lopes da Silva Lacerda.
Em julho de 2013, as duas cruzaram o tapete vermelho da Escola Superior da Defensoria Pública na companhia de outras noivas e perante pais, amigos e familiares na ação promovida pela Defensoria Pública do Estado. Silvana era a única policial militar que com a autorização do Comando Geral pode usar a farda no dia do casamento.
Um ano depois, o Estado sanciona a Resolução nº 141, de maio de 2014, que estabelece procedimentos para a confecção e entrega de Identificação por Nome Social e ainda publica o Decreto nº 13.954, que padroniza o modelo da carteira de identificação por nome social, uma conquista muito significativa que permite o reconhecimento de transexuais e travestis pelo nome com o qual se identificam.
De 1995 para 2023, o Estado atualizou dispositivos, homologou propostas de conferências LGBTQIA+, criou a Subsecretaria de Políticas Públicas LGBT+, instituiu datas, conselhos e comitês, estabeleceu parâmetros de acolhimento em ambientes socioeducativos e criou a Comissão Especial Processante, ligada ao Centro Estadual de Cidadania LGBT.
Pesquisadora sobre gênero e sexualidade, a antropóloga Daniella Chagas Mesquita enfatiza a percepção que teve ao acompanhar durante um ano todos os eventos LGBTQIA+ realizados pelo Governo ou que tinha o Estado como parceiro.
“Foi possível perceber como Mato Grosso do Sul, através da Subsecretaria conseguiu institucionalizar caminhos e ter mais poder de diálogo, até por estar logo abaixo da Secretaria de Cidadania. Isso nos oportuniza mais acesso, mais recursos, e o status que se tem então dentro da estrutura governamental é muito bem aproveitado como na ampliação do Centro Estadual de Cidadania LGBT+,” ressalta a pesquisadora.
A carteira de identificação de nome social não só colocou no papel o nome de Bel Siva como tem sido apresentada por ela aos pacientes que atende como assistente social residente do programa Saúde da Família.
Natural do Rio de Janeiro, Bel chegou a Campo Grande em 2022, e uma das primeiras coisas que buscou foi conhecer o que o Estado dispunha de acolhimento e garantia de direitos LGBTQIA+.
“Na unidade tive a alta demanda de pessoas trans e travestis, eu já estava fazendo uma pesquisa do que o território me oferecia, e foi assim que cheguei ao Centro, à Subsecretaria e fui descobrindo todos os serviços deles, a cartilha de atendimento, e mudou tanto a minha vida quanto nos meus atendimentos”, pontua.
Entre as primeiras perguntas aos pacientes trans, Bel questiona se já têm a carteira com nome social, e reproduz passo a passo como solicitar. “Esta documentação ajuda muito em tudo, ela garante direito do respeito do nome e evita que outras barreiras sejam criadas”, diz.
Hoje já com os documentos retificados, a carteira de nome social tem um lugar especial no coração da assistente social.
“As políticas públicas são fundamentais para tentar minimizar a quantidade de violação de direitos que a gente sofre como população, e é muito positivo ter uma subsecretaria que está a todo momento articulando maneiras para que sejam minimizados estes impactos. Eu vejo avanço tanto dos profissionais que estão empenhados nesta luta pela garantia dos direitos bem como das ferramentas de gestão que conseguem apoiar isso e dar muito mais força para os profissionais que estão na ponta”.
Texto: Bel Manvailer e Paula Maciulevicius, Setescc
Fotos: arquivos pessoais