Um dia após a morte de Jorge Ávalos, de 60 anos — o “Jorginho”, atacado por uma onça na região do Touro Morto, em Aquidauana (MS) — o biólogo Carlos Gentil Vasconcelos publicou um poema comovente sobre o caso, intitulado “O Encontro de Jorge e a Onça”. A obra viralizou nas redes sociais e despertou reações emocionadas e opiniões divididas.
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“Dona Onça, não sou invasor. Tô aqui faz vinte anos, não cerquei teu rio, nem furei tua caça. Só cuido do que posso. Divido, não domino”, diz um dos trechos que mais chamou atenção entre os leitores.
No texto, o autor mescla realidade e poesia para narrar o suposto diálogo entre Jorge e a onça que, dias antes do ataque, teria sido vista rondando a propriedade. O poema também levanta a dúvida que ainda paira sobre o caso: seria a mesma onça das pegadas registradas perto da casa ou outro animal selvagem?
Carlos compartilhou a obra junto com uma ilustração sensível, que mostra Jorge sentado com uma cuia de tereré, lado a lado com a onça. Nos comentários, muitos internautas se emocionaram. Outros questionaram o tom do poema, sugerindo que ele romantiza um ataque trágico. Há quem culpe Jorge por permanecer numa área de risco, enquanto outros defendem a onça, lembrando que o Pantanal é seu habitat natural.
Independentemente dos julgamentos, o poema reforça a relação delicada entre homem e natureza. Como escreveu o autor, no final da obra:
“No Pantanal, quando um homem como Jorge parte assim, em silêncio e com marcas de bicho, vira parte da lenda.”
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Veja o poema completo:
O Encontro de Jorge e a Onça
No coração quente do Pantanal,
o céu se tingia de fogo ao entardecer,
e o Sr. Jorge, de boné desbotado e alma tranquila,
tomava seu tereré à sombra do ipê-amarelo,
sentado na varanda onde o rio passava calmo.
Era homem de fala mansa, olhar atento.
Sabia decifrar pegadas no barro
e escutava o canto dos bichos como quem lê poesia.
Naquela tarde, ela apareceu.
A onça-pintada, a senhora da mata.
Olhos de âmbar, corpo de ouro e sombra.
Parou diante dele como se viesse cobrar algo antigo.
— Homem… este chão me pertence.
Antes da tua casa, teus bois, teus trilhos…
Eu era o pulso da vida aqui.
Caço pra manter o ciclo.
Sou equilíbrio, sou alerta.
Mas teu mundo aperta o meu.
Jorge suspirou, puxou um gole longo de tereré,
e respondeu com respeito:
— Dona Onça, não sou invasor.
Tô aqui faz vinte anos,
não cerquei teu rio, nem furei tua caça.
Só cuido do que posso.
Divido, não domino.
A onça o fitou fundo,
e pareceu aceitar.
Virou-se e sumiu no mato
como se nunca tivesse estado ali.
A partir daquele dia,
contam que Jorge virou mais guardião que morador.
Protegia árvores, soltava animais presos,
alertava os vizinhos:
“A floresta tem dono, e não sou eu.”
Mas os anos passaram.
E numa manhã de cheia,
encontraram a porta de sua casa aberta,
o tereré ainda gelado na guampa,
o boné pendurado num prego.
Nada fora levado.
Só Jorge havia sumido.
As marcas no chão eram claras:
pegadas de onça, duas — uma maior, outra menor.
Como se duas rainhas tivessem se cruzado ali.
Alguns dizem que foi a mesma onça,
vinda cobrar o que Jorge prometeu.
Outros falam de uma nova,
sem pacto, sem memória, sem piedade.
Mas ninguém ousa falar de tragédia.
Porque no Pantanal,
quando um homem como Jorge parte assim,
em silêncio e com marcas de bicho,
vira parte da lenda.
E à noite, quando a lua reflete no brejo,
dá pra ouvir o rugido ao longe.
E quem conhece a mata diz:
“É só a onça… ou talvez o velho Jorge, ainda vigiando.”