Episódio 8
Assustador
Assim que fui avançando nos degraus uma sensação de aperto sobreveio.
Que imbecil cai numa cilada dessa?
Eu o seguia de perto vendo seu fraque arrastando na escada. E acompanhando à espreita, livros empilhados para todos os lados.
O ambiente não era lúgubre, mas minha sensação era de que os livros poderiam arremessar-se contra mim. Não, melhor, que os livros me observavam de forma hostil.
Sr. Ernesto, arrisquei.
Ele apenas pigarreou e seguiu seu passo lento, mas rítmico.
Devia ter uns 50 e poucos anos. E a casa cheirava fumo de cachimbo.
Chegamos enfim ao primeiro andar.
Ele afastou-se da entrada e apontou-me um corredor estreito e escuro.
É agora. Facada ou estrangulamento?
Eu hesitei seguir sua indicação, ele insistiu. Foi ai que olhei sua face sob uma luz um pouco mais forte. Não era assustadora como Afanes havia descrito. Aquilo me deu um pouco de tranquilidade. Mas durou pouco.
Resolvi me arrastar pelo labirinto. Ele me seguia e arfava, parecia que tinha algum grau de chiado a cada respiração.
Finalmente chegamos a uma sala enorme. A quantidade de livros era fenomenal. Espantosa. Era um caos ordenado. O pé direito era altíssimo e os livros encostavam no teto com várias escadas.
Quem era esse sujeito?
Chegamos no centro da sala e ele estendeu sua mão orientando que me sentasse na poltrona.
‘Aceita um chá?
Sim, pode ser, mas antes…
Tarde demais ele havia se levantado para se dirigir para uma outra sala.
Aproveitei o ensejo e me aproximei da estante mais próxima a janela, havia uma escuridão e novamente lembrei da síntese de Afanes
‘Assustador’
A prateleira a qual eu me acerquei era de livros de ocultismo. Os mais diversos autores, edições antigas, algumas com encadernação em pergaminho, outras com aqueles fechos medievais. Encadernações monásticas. Reconheci alguns títulos que já lido, pertenciam a livros proibidos. Duas edições do Index Librorum Proibitorum, os livros proscritos. Fui tocar em um deles quando ele deu um grito surdo:
‘Não!’
“Ah é que fiquei curiosa’
‘A curiosidade segura é aquela que economiza as mãos’
‘Sim, peço desculpas”
‘E ele me estendeu uma xicara decorada com símbolos. O chá tinha cheiro muito bom, só de aspirar a fumaça senti que alguma coisa mudou’
‘Desculpe. Mas é chá de que? ‘
‘Se eu lhe contasse, a Sra. Nunca mais pisaria aqui’
Dei uma risada social e perguntei
‘Espero que seja seguro Ernesto’
‘Prefiro que me chame de Fici. O que exatamente lhe disse aquele indiscreto do Afanes?
‘Ele parece ser boa gente’
Ele deu de ombros e deu um gole enorme em sua xicara. Eu fui bebericando aos poucos, tremula, com medo de que ele pudesse me dopar. Ainda que parecesse confiável demais para isso.
‘Ele conhece meu ex.’ Bráz Zoilo, talvez tenha ouvido falar nele, é um famoso influencer’
‘Desconheço, o último sujeito que me influenciou foi meu ancestral distante, Marsílio Ficino. Isso faz tempo. Senhora…’
‘Jerusa’
“Pois bem Senhora Jerusa, pode não parecer e não quero ser rude, mas tenho pouquíssimo tempo para visitas e para falar a verdade não recebo ninguém para conversar há muito tempo. Se puder ser objetiva e me dizer o que a trouxe a esta casa seria este o momento ideal’
Fui falar e algo ficou preso na garganta. Fiquei afônica. Nada saia e nada entrava. Eu não estava mais ali.
Continua