Você já parou para pensar que, mesmo estando em teletrabalho e atuando para garantir os direitos dos cidadãos, magistrados e servidores do Poder Judiciário de MS enfrentam situações diferenciadas em que são obrigados a apresentar uma solução para o problema?
Você sabe como se faz uma audiência de instrução e julgamento por videoconferência? Alguma vez imaginou como fazer essa audiência em lugares remotos, onde a internet ainda não chegou e as pessoas não possuem os equipamentos tecnológicos para ser partes nas audiências?
Não? Então, se quiser saber como magistrados e servidores trabalham para garantir uma prestação jurisdicional de qualidade, essa matéria vai demonstrar a razão de a justiça sul-mato-grossense estar na vanguarda e destacar-se no Judiciário nacional.
Tudo começou na última semana, quando a juíza Adriana Lampert, da 1ª Vara de Bonito, atuou em substituição na comarca de Bela Vista e julgou uma ação proposta pelo Ministério Público contra um indígena pela prática, em tese, dos delitos previstos no artigo 147, caput (ameaça), e no artigo 250, §1º, II, a (expor a perigo a vida) – ambos do Código Penal.
Até aqui não seria novidade o fato de a juíza de Bonito atuar em outra comarca, já que os juízes substituem em outros Foros, quando há necessidade, e dão continuidade aos trâmites dos processos para que os cidadãos que buscam a justiça para resolver seus problemas tenham uma prestação jurisdicional de qualidade.
No início seria apenas a audiência de instrução. Entretanto, algumas das pessoas a serem ouvidas eram residentes na aldeia indígena Pirakuá (buraco do peixe), distante 65 km da sede da comarca de Bela Vista, constituída por 130 famílias, 600 pessoas da etnia Guarani, enquadradas dentro do grupo de risco de contágio do novo coronavírus.
Todavia, para garantir a agilidade e eficiência pelas quais a justiça sul-mato-grossense se destaca, a juíza decidiu fazer a instrução completa: ouvindo a vítima, testemunhas e o interrogatório do réu por videoconferência. No próprio despacho em que designou a audiência, a magistrada destacou que a população indígena estaria dentro do grupo de risco, devendo ser realizado o ato por videoconferência, bem como conclamou o auxílio de entidades locais.
Assim, além de adotar os devido cuidados para evitar a proliferação do coronavírus, o Poder Judiciário reafirmou o compromisso com a Agenda 2030 e os seus 17 ODS. Importante lembrar que o ODS 17 é “fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável” – sendo inclusive a Meta 9 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a implementação da Agenda 2030 ao judiciário brasileiro.
A vítima e as testemunhas indígenas, residentes na aldeia Pirakuá, foram ouvidas por videoconferência, evitando-se o deslocamento para a cidade de Bela Vista, contudo, para que a audiência fosse realizada com sucesso, muitas pessoas do Judiciário e fora dele foram envolvidas.
O desempenho dos operadores da justiça: oficial de justiça, assessores, atendente da TI, foi de relevância ímpar para realização do ato, pois antes da designação da audiência foi necessário obter informações prévias a respeito da existência de condições mínimas na aldeia Pirakuá para realização da videoconferência.
Constatada a viabilidade, a decisão que designou a audiência fez diversas orientações e ressalvas, considerando possíveis limitações no acesso a aparelho celular e sinal de internet. Nesse sentido, foi orientado ao oficial de justiça que fizesse constar na certidão da intimação o número da linha telefônica para contato com a vítima e com as testemunhas de defesa, ainda que pertencessem a terceiros.
E, como previsto na decisão, as pessoas ouvidas não dispunham de meios próprios para participarem da videoconferência. Nesse instante entraram em ação outras pessoas que, com boa vontade, auxiliaram na realização do ato. A vítima foi ouvida mediante a colaboração de uma prima e as duas testemunhas de defesa, com o auxílio de uma professora, também filha de uma das testemunhas, residente na região central da aldeia, pois tais familiares possuíam aparelho celular e internet via satélite em suas residências.
Para concretizar a videoconferência, tais colaboradoras foram inicialmente contatadas por ligação telefônica e, posteriormente, foi mantido contato por mensagens de aplicativo de conversa e videochamada, para que fossem orientadas sobre a realização da videoconferência, bem como a baixarem o Google Meet, um serviço de comunicação por vídeo que permite unir em uma mesma chamada várias pessoas.
Baixado o Google Meet, as pessoas foram ensinadas a utilizar o aplicativo e vários testes foram realizados na sala virtual: tudo com a finalidade de verificar a estabilidade da conexão e assegurar o sucesso na realização do ato processual. Ressalte-se que na audiência a conexão estava estável, com eventuais congelamentos de imagem, porém o áudio foi transmitido satisfatoriamente, possibilitando a compreensão e a colheita da prova oral. A juíza proferiu a sentença no dia seguinte.
Entenda o caso – De acordo com a denúncia, no dia 12 de março de 2020, por volta das 17 horas, na aldeia Pirakuá, município de Bela Vista, o homem ameaçou sua ex-convivente, de forma a causar-lhe mal injusto e grave. Além disso, causou incêndio na casa da vítima.
Segundo o MP, com uma faca tipo “machete”, ele chegou na casa da vítima e a convidou para entrar, para que pudessem ter uma conversa particular. Diante da recusa da vítima, ele a ameaçou, afirmando que iria matá-la e enterrá-la em um lugar onde ninguém acharia seu corpo.
Ato contínuo, o homem ateou fogo na residência ao pegar um isqueiro e queimar a cobertura da casa, que era de capim, tendo o fogo se alastrado rapidamente e tomado toda a casa, destruindo-a por completo, bem como todos os pertences que se encontravam em seu interior.
Feitas as investigações pela autoridade policial competente, o Ministério Público denunciou o homem pela prática, em tese, dos delitos previstos no artigo 147, caput (ameaça), e no artigo 250, §1º, II, a (expor a perigo a vida) – ambos do Código Penal.