TJ determina que igreja devolva valor de automóvel doado por fiel
Os desembargadores da 5ª Câmara Cível, por maioria, deram provimento ao recurso interposto por C.R. de P. contra uma igreja, condenada ao pagamento de R$ 23.000,00 como forma de restituir o valor do automóvel Gol 1.0, Volkswagen, ano 2007/2008, doado à igreja no ano de 2009.
Alega o autor que, em meados de 2006, passava por dificuldades financeiras e começou a frequentar a igreja. Afirma que, por ser pessoa simples, de condição financeira precária e estar debilitado emocionalmente, era facilmente manipulado e ludibriado pelos pastores.
No ano de 2009, passou a participar das chamadas Fogueiras Santas, onde teve que realizar inúmeras doações em dinheiro para buscar a fé perfeita e seu encontro com Deus, e, sob forte pressão psicológica, doou seu único bem: um veículo Gol 1.0, 2007/2008. Conta o apelante que naquela oportunidade, como forma de compensação ou deboche, recebeu uma chave de um carro importado, que segundo os pastores, seria o que Deus iria lhe dar em troca.
C.R de P. era comerciante e tinha um pequeno restaurante, em um prédio alugado, e, por meio de financiamento, adquiriu o veículo para entregar marmitas e comprar mercadorias. Não possuía outros bens ou reservas. Alega que, em razão da lavagem cerebral a que foi submetido, entregou o único veículo que dava suporte a sua atividade financeira, na época em que passava por dificuldades.
Afirma o autor que houve abuso de direito para a doação, mediante coação moral, e que o ato de disposição do bem fora relevante para o declínio da situação financeira, pois passou a não ter mais condições de suportar nem mesmo as despesas mais elementares, sobrevindo a falência do restaurante e o despejo do autor.
Para o Des. Sideni Soncini Pimentel, autor do voto condutor do acórdão, as provas dos autos demonstram que o autor não só participava dos cultos da referida igreja como também era fiel fervoroso, extremamente centrado nos ensinamentos da congregação, chegando a exceder em razão das suas convicções religiosas.
“Levando em consideração o grau de comprometimento que possuía com a igreja, certamente o maior temor era não só a desaprovação Divina e sua ira como também da própria igreja. Daí que, psicologicamente, a doação passa a ser dever e não liberalidade”, escreveu em seu voto.
No entender do desembargador, das alegações trazidas pelo autor, bem como documentos juntados, e considerando a forma de agir da igreja ré, largamente difundida nos meios de comunicação, vê-se que certamente, além da coação, o autor foi induzido ao erro substancial, ao acreditar que a doação de seu veículo à igreja poderia resolver seus problemas financeiros, baseados na confiança depositada das palavras do pastor naquele momento.
O magistrado destacou ainda que o critério subjetivo da fé não pode servir como escusa para manutenção de práticas que visam coagir e induzir em erro pessoas geralmente ingênuas, fazendo com que doem dinheiro ou bens necessários à subsistência e que, a rigor, não seriam suscetíveis de doação para garantir vida eterna no céu ou bens materiais ainda neste mundo.
“Diante disso, considerando que o apelante fora vítima de coação moral e erro substancial que o levou a acreditar que ao doar seu único veículo à igreja receberia a benção financeira desejada, representada por um veículo importado, declaro a nulidade da doação e a igreja deverá proceder à restituição do valor equivalente R$ 23.000,00”.